EU VOLTEI
Raul Sampaio, um dos maiores
compositores, deste país de curta memória, dentre as belas musicas de sua
autoria está “Meu Pequeno Cachoeiro”, consagrada na interpretação de Roberto
Carlos, seu conterrâneo de Cachoeiro do Itapemirim, cidade que fica no Estado
do Espírito Santo. A identidade desta composição com a minha pessoa é no
sentido inverso, tomando como base, os primeiros versos.
“Eu passo
a vida recordando
de tudo quanto aí deixei
Cachoeiro, Cachoeiro
vim ao Rio de Janeiro
p'ra voltar e não voltei!”.
Tanto Raul, quanto Roberto saíram de Cachoeiro ,“p’ra voltar”
e Roberto não voltou. Comigo aconteceu o inverso. Fui p’ro Rio de Janeiro p’ra
não voltar e voltei. Os três dedicados ao meio artístico, prontos para o
sucesso, mas a vida surpreende os seus passantes, conforme as circunstâncias,
regido por astros e por leis cósmicas, pelo homem, a maioria das vezes,
inentendível, de tal sorte, que seguem rumos divergentes.
Eu, não soube aproveitar as oportunidades que me foram dadas,
negligenciei, não insisti, desisti, talvez, pela primeira vez, de uma tarefa
que me foi outorgada pela natureza. Nasci artista, poeta, compositor e cantor
com uma voz que me privilegiou nos setores de comunicação por onde passei, de
tal sorte, que cheguei a cantar no mesmo clube onde Roberto se apresentava em
início de carreira, eu recebendo cinco mil cruzeiros e ele sem cachê.
Cheguei ao Rio no início de 1961, vinte dias depois estava
contratado por uma Boate, denominada (CLAUDIU’S BAR), em Copacabana, onde se apresentavam
cantores consagrados. Daí abriu-se todas as portas: Radio Nacional – Programas
Cezar de Alencar; Paulo Gracindo; Manoel Barcelos; com audiência em todo
território nacional; todas as demais Rádios e Televisões, da Cidade
Maravilhosa, serviram de palco para minhas apresentações, e para completar,
gravei disco na maior gravadora do mundo – RCA Victor.
Veio o movimento da Jovem Guarda, com influência da musica
americana do norte e a Bossa Nova, esta, patrocinada por filhinhos de papais
ricos, que saiam do ostracismo dos apartamentos luxuosos da zona sul, com
influência do Jazz, para as Boates e emissoras comprometidas com a aculturação
do Brasil.
Envolvido em movimentos políticos estudantis, com a
intelectualidade e o meio artístico tradicional, fui, enterrado vivo, com
minhas paixões e ideais, restando o recuo, para a cidade de onde sai – Feira de
Santana. Ai, refeito dos traumas e das frustrações, com outra formação
profissional, sobrevivi, vendo de perto a glória dos que sabem persistir e o
consolo de quem sabe se recompor e seguir novos rumos, com dignidade e
sapiência.
Quarenta anos depois de uma ausência forçada, vou ao Rio de
Janeiro, P’ra voltar mais uma vez, talvez, de forma definitiva, porque sinto
que aqui é o solo que me foi reservado para o ultimo suspiro. Confesso que
gostaria de ter nascido e vivido na Suiça, mas cada um tem o destino que
merece. Vou matar uma saudade que ainda
sufoca o meu coração, embora, não encontre os mesmos caminhos e os descaminhos
por onde passei já modificados pelos homens, que transformam a natureza segundo
os seus caprichos, conveniências e vantagens financeiras. Não mais Le Rond
Point, Michel, Claudius, Cabana, Jirau, Maison de France, Bonde da Gávea,
Ônibus Elétrico, Mariza Gata Mansa, Dolores, Sarita, Braguinha com suas
marchinhas e seu Carinhoso na parceria com Pixinguinha; não mais Ataulfo e as
Pastorinhas; não mais o mais ou o menos. Não mais Marivone, Copacabana e
Ipanema. Vou de passagem, aos sebos, para falar com Dostoiéviski, Montesquieu,
Rousseau, Voltaire, Manuel Bandeira, Olegário Mariano e suas cigarras cantantes
na morada da Gávea; não mais o Zicartola
na Rua da Carioca ao som de As Rosas Não Falam, na voz do autor, assistido pela
classe boêmia do meu saudoso Rio de janeiro à janeiro.
ZICARTOLA (destaque para Nelson
Cavaquinho e Zé Kéti)
BY
Milton Britto.
Filósofo, Advogado, Procurador aposentado, Escritor com vários livros publicados
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