Caros amigos e amigas
A coragem destas
duas Senhoras, que fizeram questão de assinar o manifesto, nos dá a
oportunidade de perceber as entranhas do processo de avaliação
do nacionalmente questionado ENEM.
Como tudo neste desgovernado país, a mentira faz parte do processo de avaliação.
Professoras gaúchas (assinam a matéria) manifestam-se sobre redação do Enem.
Porto Alegre, 19 de Mar�o de 2013
Professoras manifestam-se sobre redação no Enem
Boa tarde.
Somos professoras de Língua Portuguesa e
participamos do processo de avaliação das Redações do Enem 2012 e
gostaríamos de divulgar algumas informações acerca do processo que não
estão sendo divulgadas.
Já está evidente a falta de seriedade que subjaz o Exame Nacional do Ensino Médio.
Sem entrar nas questões mais profundas que dizem
respeito às consequências a médio e longo prazo, as notas das redações
do Enem 2012 evidenciam a falta de critérios objetivos e a falta de
seriedade no processo de avaliação das mesmas, embora representantes do
Cespe/Unb, Ministério da Educação e Inep tentem afirmar o contrário.
Nós, que estivemos nos bastidores do processo de
correção das redações do Enem sabemos por que as respostas dadas pelos
órgãos responsáveis não satisfazem.
Com a novidade de dar acesso às correções, foi
permitido que os próprios candidatos soubessem da aparente
arbitrariedade que perpassa as notas finais atribuídas.
As primeiras reclamações vieram daqueles que se
sentiram prejudicados, em função das notas baixas e a consequente
impossibilidade de ingressar na Universidade.
No dia 18 de março, foram publicados os erros das redações cujos candidatos obtiveram nota máxima.
Não seria isso suficiente para se comprovar a ineficácia do sistema de avaliação?
O que não se torna público é a forma como isso acontece.
À primeira vista, há subentendida a incompetência dos avaliadores.
A atribuição de nota máxima no quesito domínio da norma padrão da língua escrita a um candidato que escreve trousse
leva-nos a duas possibilidades: os dois professores deLíngua Portuguesa
responsáveis pela avaliação desta redação não sabem a grafia correta da
palavra ou foram orientados a fazer vistas grossas a alguns erros, a
fim de facilitar a aprovação dos candidatos.
Um processo que inicia com a seleção de avaliadores,
sem necessária comprovação de experiência na área, sem prova de
conhecimentos e, principalmente, sem capacitação para a tarefa não pode
ser sério.
Os problemas ainda são maiores do que a seleção de avaliadores.
Quando, numa suposta capacitação, ocorrida num
domingo, os professores selecionados para trabalhar no processo são
informados de que eles estão no processo para cumprir as normas da banca
avaliadora e não para questionar as orientações e os critérios de
avaliação, temos evidência da falta de respeito com os profissionais.
Assim, somos orientados a deixar de lado os
conhecimentos que temos e, mais ainda, a ignorar aquilo que ensinamos
aos nossos alunos, quando os preparamos para a redação do Enem.
Outra novidade neste ano foi a avaliação dos avaliadores.
Na teoria, os avaliadores deveriam receber um relatório com informações a respeito do desempenho nas avaliações.
Muitos avaliadores não chegaram a ter conhecimento acerca dessa avaliação, como nós, por exemplo.
Muitos tiveram seus sistemas bloqueados por terem tirado uma nota baixa, sem ao menos saber por quê.
O bloqueio de avaliadores ocorreu com frequência e a
comunicação com aqueles que deveriam ser responsáveis pelo bom
andamento do processo foi um caos: informações desconexas, explicações
infundadas, mentiras e delegação de responsabilidades.
Há avaliadores que ainda não receberam pelos
serviços prestados; os pagamentos foram realizados em datas diferentes
das informadas, fazendo com que os avaliadores tivessem que ir ao banco
inúmeras vezes.
Os avaliadores foram informados de que o pagamento
seria realizado em conta corrente cadastrada, mas muitos receberam por
ordem de pagamento, graças à tentativa de um avaliador que descobriu seu
pagamento e avisou aos demais, caso contrário, o problema poderia ser
ainda maior.
Agora circula nas redes sociais as piadas em relação
aos avaliadores, o MEC não dá uma resposta satisfatória e coerente,
porque não pode dizer a verdade: o objetivo é aprovar o maior número
possível de candidatos.
Quem fica exposto somos nós, os avaliadores,
professores que são orientados a esquecer o conhecimento que têm sobre
estrutura do texto dissertativo-argumentativo, construção de argumentos,
manutenção temática e até as regras de ortografia, acentuação e
concordância, sob pena de terem seus sistemas bloqueados e serem
excluídos do processo.
Sim, isso foi o que aconteceu com os avaliadores que
corrigiram de acordo com as orientações, com aqueles que passaram por
cima dos absurdos para fazer o seu trabalho com seriedade,
responsabilidade, atribuindo notas justas aos textos.
Temos certeza de que a verdade será mantida em
sigilo, porque todos sabemos que uma avaliação séria das redações
acarretaria altos índices de reprovação e consequência exposição do
fracasso da educação brasileira.
Nós não podemos avaliar as redações, seguindo
critérios justos, éticos e coerentes, porque teríamos que colaborar para
a divulgação dos níveis de leitura e escrita em que se encontram nossos
alunos da Educação Básica, justamente o que o governo quer mascarar.
Ao assinarmos termo de sigilo, quando contratadas, ficamos “mudas”.
Há redações circulando nas redes sociais; há jornais
publicando os absurdos do processo. Em função do termo de sigilo,
corremos risco de sermos processadas, caso divulguemos as informações
que recebemos ao longo do processo. Tem sido difícil assistir a todos os
comentários sem podermos nos pronunciar.
Assim, esperamos que a voz dos avaliadores também
possa aparecer e que a sociedade saiba do que ocorre por trás daquilo
que é divulgado.
Atenciosamente
Ana Rita Torres Soares
Tamara Véras de Bitencourt
Nenhum comentário:
Postar um comentário